quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Panis et circus









Divagações sobre "Mad Rush" de Philip Glass. 
Interpretação: Valentina Lisitsa

 
A suspensão do mundo

aqui por fora arde
e está seco:
é o reino do pó e do sol,
enquanto
no interior do corpo
se ouve o correr do sangue,
o contínuo deslizar dos fluidos.

cá dentro faz sombra:
é como em casa
quando se chega,
e os refrescos florescem -
nos centros das mesas,
como as jarras garridas
nos quadros de Matisse,
com as persianas
entreabertas para a rua.

mas aqui fora as pedras são rugosas,
- enquanto por dentro
a eternidade prossegue
sem asperezas.

os homens suam
com orgulho
de manipularem o mundo;
enquanto por dentro o corpo
é feminino, sente-se a si próprio
na sua intimidade receptiva.
é nesse jogo de contrastes
e complementaridades
que se tece o nosso dia-a-dia.

mas a beleza das pedras
está precisamente em serem
presenças mudas.
e a felicidade desta areia, o facto dela ser
tão intocada, que um simples passo
lhe deixa um rastro para a eternidade.

indecidibilidade do mundo,
suspensão do sentido
resistindo às pressas do corpo
e das perguntas insistentes."

 
Vítor Oliveira Jorge in "A Suspensão do Mundo" (2003)
Prefácio de Isabel Pires de Lima
editora Ausência

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Laboratório 5: o corte



[Leitura performática e improvisada de "Jornal sem data" de Cassiano Ricardo sob intervenção da composição "The Frost" de Roger Eno - Álbum: Voices (1985)].

[Recomenda-se para melhor aproveitamento usar fones de ouvido]


"JORNAL SEM DATA


I
Tudo tão na hora
que te antecipo, já,
um peixe
que ainda irei buscar
no mar.
Ou dou-te, já, uma flor
que ainda me virá
do Japão.
Como se a tivesse, já,
na mão.
Tudo tão já,
sem onde, nem quando,
que o caçador me vende
um pás-
saro ainda voando.
Adianta-se o ponteiro
da hora exata
para a hora imediata.
A vida, um jornal de hoje
mas s/d.

II

Manhã e amanhã
incesto mágico do tempo
no calendário
de Roma e da romã,
do homem e do canário."



Cassiano Ricardo in Jeremias sem chorar (1964), p. 86.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Más allá de la montaña









Más allá de la montaña
 hay pasajes que no están
en pesadillas de una soledad

 En pleno humo de pies
 donde sendero alguno encuentra
ladeados codos soñadores
saltan tintineas colinas plateadas
Y por el bajo vientre de una cueva olvidada
 chispan curvas entrelazadas
 que no cierran mientras galopan sosegadas
 energía desacostumbrada

 Las ondulaciones pavimentadas
cargadas en mecanismo,
asentimientos apiñados,
desconocen pulso en dinamismo

Y en orden recaen dispositivos
 Sin dejarse a piel de un conjunto entero:
 el oro de una alba desde arriba
bajo una determinación paisajera

que es totalmente

y tontamente

sonreír.

Revisão: 8-10.9.2016
Nova revisão - 13.1.2017